quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Construção e desmontagem da imagem fotográfica: Relembrando influências, revisitando conceitos.

Gupo C: Camila, Clarissa, Roberta, Leandro



Construção e desmontagem da imagem fotográfica: Relembrando influências, revisitando conceitos.

Na primeira parte do livro o autor revisita conceitos e influências que nortearam suas pesquisas sobre a arte da fotografia, além disso, Boris Kossoy, busca indicar os instrumentos necessários para a interpretação, e posterior decifração, dos processos de construção de realidade revelados através da imagem fotográfica. Outro conceito trabalhado ainda no primeiro capítulo diz respeito a dupla natureza da fotografia: Como objeto de estudo e/ou como fonte de pesquisa.
Em um primeiro momento o autor expõe sua trajetória, e influências, na busca do conhecimento, cada vez mais profundo, da natureza da imagem fotográfica, e suas múltiplas facetas. Na década de 70, a quase inexistência de trabalhos que tratassem da fotografia no Brasil, aliada a uma abordagem, até então, da imagem fotográfica submetida a escrita, motivaram o autor a iniciar suas pesquisas nesse vasto campo de conhecimento. Além disso, a análise da fotografia apenas no âmbito estético inquietou o autor que sentia a necessidade de uma abordagem mais ampla, vinculada a esfera histórica e sociocultural.
Desde o princípio Boris Kossoy percebeu que seria impossível desvendar o campo fotográfico sem o relacionar com outras áreas de conhecimento, essa abordagem multidisciplinar, fez com que o autor buscasse caminhos, influências, nos mais diversos campos de estudo. A semiótica de Pierce, a Fenomenologia de Edmund Husserl, e a iconologia de Erwin Panofsky, formam o tríplice alicerce para a obra de Boris Kossoy, que ainda buscou inspiração na arquitetura, artes plásticas e no cinema, para a formulação de sua obra acerca da natureza da imagem fotográfica. Salvador Dali, Luiz Buñel, Ingmar Bergmann, e Stanley Kubrik são alguns dos cineastas que, através de seus trabalhos, contribuíram para os estudos do autor.
Apesar de todos esses autores, e suas obras, terem sido importantes para a pesquisa de Boris Kossoy, foi o sociólogo Pierre Francastel, com o seu trabalho sobre a sociologia da arte, quem mais impactou as reflexões do autor. A obra de Francastel abria os olhos do autor para o papel cultural da fotografia, como fonte de informação e desinformação, assim como sua capacidade de denunciar e manipular. Dessa forma Kossoy percebeu a expressão fotográfica como um instrumento ambíguo de conhecimento, que ao mesmo que registra e preserva as lembranças do homem, estabelecendo uma memória histórica, é usada como instrumento para os mal intencionados usos ideológicos.
Para a melhor definição de sua linha de pesquisa, o autor estabelece dois caminhos no estudo da fotografia, o primeiro diz respeito a expressão fotográfica como objeto de estudo da história, e leva em consideração o surgimento da fotografia, sua evolução técnica, seus temas, os fotógrafos (famosos e anônimos), seu uso social e cultural. Para alcançar essa compreensão o autor esclarece que é preciso uma verdadeira desmontagem das imagens fotográficas, analisando e decifrando, separadamente, cada um de seus aspectos: técnicos, estéticos, sociológicos e culturais.
O segundo caminho proposto pelo autor para o entendimento da fotografia é o seu papel documental, as imagens fotográficas como fontes de conhecimento a partir do estabelecimento da fixação de uma memória histórica. Dessa forma a fotografia como registros visuais de cenários, personagens e acontecimentos, contém em si informações iconográficas sobre o dado real, sendo assim um documento decisivo para a pesquisa nas mais diversas áreas, como nas ciências humanas, exatas e biológicas.
Essa segunda perspectiva acerca da expressão fotográfica está ligada a sua natureza indiciária. Como um fragmento do real a imagem guarda indícios de um cenário, e de uma época, assim como informações técnicas que permitem desvendar a sua produção. A partir das informações iconográficas (fotográfo, tecnologia, espaço, tempo, e assunto registrado), acrescidas de informações de natureza histórica, geológica, antropológica, entre outras, as imagens fotográficas ganham sentido, sendo possível tanto reconstituir seu processo de criação, como entender o contexto da situação registrada a partir da determinação precisa do espaço e do tempo da cena gravada.
Apesar de ser uma fonte, um meio de conhecimento, a natureza indiciária da imagem fotográfica tem os seus limites. A visão positivista que permeia as pesquisas acerca da expressão fotográfica, a qual é bastante criticada por Kossoy, ao afirmar que a imagem obtida é um registro objetivo e neutro, desconsidera que a fotografia é fruto de um processo de criação por parte do fotógrafo, e, portanto, permeada por sua visão de mundo, sua ideologia. Ao ter contato com os documentos fotográficos, o observador sempre tem acesso a uma segunda realidade, ao mundo da aparência, que pode, ou não, ser uma evidência. Além disso, o autor alerta para o fato que o “indício se refere sempre ao fragmento registrado, contudo, é um recurso comum tomar-se o fragmento pelo todo, com o objetivo de generalizar-se toda uma realidade, todo um contexto.”
Dessa forma é possível perceber a diferença existente entre a verdade absoluta e a verdade iconográfica, está ultima apesar de trazer indícios, pistas, sobre um dado real, nem sempre vai retratá-lo com fidelidade. Isto acontece porque a imagem fotográfica é manipulável, e pode ser usada para interesses próprios, na defesa de crenças, na imposição de ideologias. O senso crítico é fundamental na análise das fotografias, é preciso perceber que a partir do momento do “clique” o que se tem é uma representação da realidade, que pode, ou não, expor a verdade.
Para a decifração dos códigos existentes na imagem fotográfica, de suas realidades, o autor propõe uma desmontagem da mesma. Para isso duas categorias de investigação foram propostas: Análise iconográfica e interpretação iconológica. A primeira ocupa-se da realidade exterior, através da observação e pesquisa acerca da própria imagem, os códigos formais são decifrados e podem-se detectar os elementos constitutivos da imagem (fotógrafo, assunto, tecnologia) e suas coordenadas de situação (espaço, tempo), dessa forma é possível reconstituir o processo de criação a partir de informações (quem, que, como, onde, quando), que individualizam o documento fotográfico, estabelecendo sua identidade.
Já a interpretação iconológica refere-se ao conteúdo da imagem, seu assunto, aquilo que nem sempre está aparente, visível na fotografia. Para esta interpretação é necessário decifrar os códigos culturais, aqueles existentes no campo das idéias, da mentalidade, do produtor da imagem. A expressão fotográfica carregar em si uma série de informações relacionadas ao seu conteúdo, assunto, que podem estar explícitas, o aparente da representação, ou implícitas, o invisível, relativas à história e ao contexto que envolve o tema registrado. Essas últimas só possuem sentido se forem somadas a outras informações (orais, escritas, iconográficas), que nos dê uma base em relação ao conteúdo do tema abordado.
A partir do que foi explanado é possível afirmar que o entendimento, o conhecimento, da realidade fotográfica depende da decifração de seus múltiplos códigos. Através da análise iconográfica pode-se situar a representação no tempo e espaço, determinar seus elementos constitutivos, além de identificar seu conteúdo, enfim, decifrar sua realidade exterior. Em contrapartida, a interpretação iconológica imprime sentido ao registro através do desvendamento de sua trama histórica e social, sua dimensão cultural e ideológica, sua realidade interior, o oculto.
A imagem fotográfica, seja como objeto de estudo da história, seja como fonte de conhecimento para outras áreas de pesquisa, precisa ser observada, desmontada, decifrada, interpretada, para só então ser compreendida em toda sua magnitude.

Por uma História fotográfica dos anônimos
Boris Kossoy procura sempre expressar sua inquietação pelo etnocentrismo europeu sobre os países colonizados nos âmbitos da cultura, história, sociedade e fotografia. Apesar de não negar a evolução dos estudos históricos na América Latina, Kossoy acredita que as teorias relativas à fotografia ainda estão muito escassas, não só por ter forte influência teórica de fora, mas pela necessidade da conexão entre fotografia e memória de um povo. O contexto das origens da América Latina foi descaracterizado pelos "olhos civilizados", com visões exóticas sem ideologias. Por isso, para que haja a solidificação de conceitos de fotografia latino-americana, deve haver o desligamento de pensamentos externos.
A história clássica da fotografia é falha. A repetição dos nomes que mantêm o status quo dessa história não permite que novos fotógrafos apareçam. É marcada pela elitização, sempre caracterizada por fotógrafos aristocráticos que possuíam um olhar sem naturalidade, retratando a nobreza, voltado para o exotismo, onde também mostram negros e índios em ambientes neutros, sem a veracidade da vida real, comum. Daí vem a importância do resgate historiográfico a partir dos fotógrafos anônimos de lugares inusitados, peças chaves do amadurecimento cultural e social latino-americano.
A historiografia tradicional não menciona a importância dos fotógrafos anônimos para a construção da memória de um país. Seus trabalhos são significativos no campo da fotografia pela proximidade do real sem o olhar elitizado. A história clássica mostra sempre dois tipos de seres, os nobres e os pobres, com a forte tendência do exotismo, visto pelos olhos europeus, mas esquecem da classe média. As pessoas da vida real que auxiliaram na construção da história sociocultural, ficam à margem, assim como os que as retrataram. Para que haja a valorização do resgate regional pelo próprio povo, se faz necessário buscar esses fotógrafos anônimos, suas vidas, produções, época, entre outros aspectos fundamentais.
Um exemplo da classe dos anônimos de suma importância na expansão fotográfica latino-americana é o trabalho realizado pelos fotógrafos itinerantes estrangeiros que chegaram à região na segunda metade do século XIX. Eles eram uma espécie de empreendedores da época, que mesclavam o trabalho de “mercadores” e fotógrafos tendo o daguerreótipo como instrumento. Boris Kossoy menciona dois desses fotógrafos que atuaram na América do Sul: o norte-americano Charles DeForest Fredricks (1823-1894) e o alemão Carl Bischoff.
Já os anônimos locais possuíam uma característica ímpar. Era a classe média retratando a classe média. Dentistas, relojoeiros, cabeleireiros e ourives, tinham a flexibilidade de desempenhar tanto o ofício quanto a fotografia, como meio de sustento, onde perpetuaram rostos e ritos de pessoas consideradas ordinárias. João Goston, Guilherme Potter, Michel Norat e Fortunato Ory fazem parte desse grupo de fotógrafos, atuantes em diversos estados do Brasil, que auxiliaram de maneira significativa na construção iconográfica do país.

A Foto reportagem no Brasil: O pioneirismo de Hildegard Rosenthal
Passou a ser conhecida em 1974 quando o professor Walter Zanini montou uma exposição com 82 fotos no Museu de Arte contemporânea da Universidade de São Paulo. Anos depois ela concedeu ao Museu de Imagem e do Som de São Paulo um depoimento sobre sua atividade como fotógrafa, esta gravação fundamentou este capítulo, pois são raros seus depoimentos. O Instituto Moreira Salles preserva suas obras que é parte da memória iconográfica paulistana entre 1937 e 1948. Em 1950 passou a dedicar-se somente a fotografar as filhas. Era estudante de pedagogia quando um dia teve a felicidade de tirar uma foto de um aluno em pose “muito extraordinária”, foto esta que foi premiada em primeiro lugar por um jornal vienense. Residiu cerca de um ano em Paris, entre 1934 e 1935, hospedada na casa da escritora Eugenia Markova e do pintor Marc Swarc. Manteve contato com pintores como Jankel Adler e Jacques Maritain que a recomendariam a Lasar Segall quando chegou ao Brasil.
Seu aprendizado iniciou-se em curso de Paul Wolff, realizado em Frankfurt, um dos primeiros a utilizar a câmera Leica com sucesso, foi ele quem levou ao mundo a fotografia da câmera 35mm, segundo Hildegard. O curso consistia em tirar fotos e discuti-las depois. As fotos produzidas tinham movimento, vida. Saíam em busca de assuntos seja na capital ou no interior. Wolff explicava que não se devia entrar de supetão na casa dos outros, deviam ser gentis. “O instrumento mais importante de vocês, além da Leica, é a luz”, dizia Wolff em seus cursos. Hildegard espantava-se com fato de Wolff não ser popular no Brasil e utilizou a Leica durante maior parte de sua atividade profissional.
Com a ascensão do nazismo e da política oficial anti-semita, os judeus refugiaram-se em diversos países. Professores, intelectuais, artistas e fotógrafos se exilaram no Brasil. Embora nascida na Suíça e descendente de alemães, Hildegard se viu ameaçada, pois seu futuro marido era judeu. Hildegard Baum (nome de solteira) chegou ao Brasil em 1937, em pleno Estado Novo. A capital paulista expandia-se em todos os sentidos, transformando a paisagem urbana rapidamente com obras suntuosas como o Mercado Central, o Estádio do Pacaembu, a Biblioteca Municipal e o viaduto do Chá. Em 1940 a cidade concentrava um invejável centro industrial divulgado no Brasil e no exterior. No âmbito acadêmico e cultural era fundada em 1933 a Escola Livre de Sociologia (pioneira em Estudos Sociais na América do Sul), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (núcleo da Universidade de São Paulo).
Os estúdios fotográficos se dedicavam basicamente aos retratos, que também eram produzidos pelos chamados fotógrafos de jornal. As revistas ilustradas ainda utilizavam a fotografia dentro dos padrões das épocas anteriores, de forma estática, mera ilustração de textos. Em 1936, a revista Life, nos EUA, já fazia grande sucesso explorando o potencial da fotografia em sua possibilidade narrativa. A fotografia ainda não havia encontrado seu papel nos meios de comunicação em massa, mas experiências vanguardistas, como a fotomontagem caracterizaram a arte no período entre guerras. Não foram poucos os artistas plásticos e fotógrafos que trilharam por essa via, como Tina Moddotti, Alexander Rodchenko e John Heartfield(montagens políticas sobre Hitler). A revista S. Paulo editada por Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Leven Vampré, em 1936, era uma revista em grande formato que privilegiava imagens, inclusive fotomontagens, acompanhadas de minúsculos textos que as contextualizavam.
Na Kosmo Foto, empresa de serviços fotográficos, teve seu primeiro emprego, onde aprendeu sobre laboratório fotográfico e português. Conheceu Kurt Schendel, que pretendia fundar uma pequena agência de notícias culturais para fornecer matérias para o Brasil e exterior. A Press Information foi iniciada com Geraldo Vicente Martins, dono do jornal A Gazeta do Sul e Hildegard, na diretoria. Matérias foram publicadas em jornais como O Estado de São Paulo e A Gazeta, e em revistas como Rio Magazine e Sombra. Naqueles anos de Estado Novo, a imprensa vivia sob rígida censura, cabendo ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) o controle da informação. Em São Paulo a censura era feita pelo Serviço de Controle à Imprensa- SCI, subordinado à Divisão de Imprensa, Propaganda e Radiodifusão do Deip (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda).
Hildegard foi uma fotógrafa que desde logo se integrou na vida da cidade, sua dinâmica, seus monumentos, transportes e a face do seu povo foi predominantemente retratada independente da classe social. As fotografias mostravam uma São Paulo com ares de grande metrópole, uma leitura refinada do ponto de vista estético e documental, que não se chocava com a ideologia do governo. Na cobertura do Salão de Maio, que para ela foi seu grande trabalho, conheceu uma série de intelectuais e artistas como Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Jorge Amado que retratava em plena atividade, ressaltando o espírito de reportagem.
O cuidado na representação da mulher em suas obras, sempre valorizada e independente, que assim como ela deveria trabalhar, mas também guardar certo mistério feminino. Os anúncios que há 60 anos já poluíam visualmente a capital paulistana permitem uma rápida viagem pela propaganda e ajudam a recuperar a data das produções fotográficas. Hildegard faz registros pensados, com forte carga simbólica, cadenciadas pela constante presença do relógio marcando o tempo na imagem. Viaja pelo Brasil documentando assuntos que pudessem ser de interesse no exterior, segundo ela viagens estas miseráveis. Fazia legendas para contextualizar suas fotos que pela quantidade de informações viravam textos e as vendia para vários jornais, como freelance. É indiscutível que Hildegard inaugura um estilo de fotojornalismo no Brasil. Seu pioneirismo como mulher fotojornalista deve ser admirado como maior feito.

Mídia: Imagem, Ideologia e memória
A imagem constitui um dos sustentáculos da memória, por isto, sua manipulação política e ideológica altera a visão iconográfica do fato. Não devem ser controladas ou censuradas. Pensadas como testemunho jornalístico, ou seja, documental, é inevitável que as imagens sejam concebidas conforme as intenções de seus autores. O registro fotográfico, fragmentário por natureza é o resultado de desenvolvimento técnico, cultural e estético. Resgatar silêncios propositais e renovar interpretações das fontes, sejam elas escritas, orais ou visuais é essencial para recuperar o sentido dos fatos.
Dependendo de como são elaboradas, situações monótonas podem se transformar em imagens de impacto. Da mesma forma, fatos dramáticos podem ser amenizados se captados de forma harmoniosa. Manipulações como estas, aparentemente inocentes, são entendidas como “interpretações” do fato e compõem diretamente o documento. Esta ambigüidade permeia a história do fotojornalismo. As imagens são usadas de forma interesseira e seu destino e finalidade são “realidades” que moldam a memória da sociedade. Depende do foco da imprensa a realidade publicada que a sociedade vai absorver de maneira cúmplice.
A grande imprensa brasileira é farta de silêncios e versões comprometidas com o discurso oficial. Temas como o Holocausto, a Guerra Civil Espanhola, o movimento operário e o cotidiano de presos políticos no Brasil foram tratados sem a pretensa “neutralidade, imparcialidade e objetividade”, pilares do jornalismo. Matérias publicadas entre 1933 e 1938 pelo jornal O Estado de São Paulo reproduziam o ideário anti-semita e anticomunista, distribuídas por agencias de notícias internacionais. Referiam-se aos judeus como “inimigos da nação alemã” e “promotores do comunismo internacional”. Até 1941, não eram publicadas grandes matérias que dessem ao leitor brasileiro as arbitrariedades a que estavam sendo submetidos os judeus sob o regime nazista. A ausência de imagens fotográficas esvaziava ainda mais o conteúdo superficial das notas.
Desprovido de qualquer comentário humanitário, o conteúdo das notas induzia o leitor a “imaginar” que os judeus eram, de fato, culpados pelo caos e degradação da civilização ocidental. Publicações do O Estado de São Paulo, sobre a “Intentona Comunista”, em 1935, “retrataram” os rostos dos subversivos: Olga Benário, Luis Carlos Prestes, Elise e Arthur Ewert endossando o mito do complô contra a sociedade. Já imagens que registraram a instauração do Estado novo, em 1937, omitiram o conceito “golpe”. As fotografias divulgadas pela Agência nacional tratavam a figura de Getúlio Vargas como “salvador da pátria” e “pai dos pobres”, diluindo sua figura de ditador e exaltando o Estado Novo. Jornais da imprensa nanica paulista ainda tentavam denunciar torturas e prisões de ativistas políticos, mas eram “silenciados” pelos mecanismos de repressão.
Muito já se escreveu sobre a censura no Brasil que se utilizava de versos de Camões e receitas gastronômicas para substituir trechos de matérias censuradas. Mas é imprescindível ainda hoje buscar formulas para driblar a repressão. Boris Kossoy na década de 1970 produziu uma série de imagens intituladas “viagem pelo fantástico” e “cartões antipostais” que metafóricas, eram ambíguas e interpretativas. Na época a imprensa cedeu espaço generoso a esses trabalhos e sua repercussão foi ampla, pois publicadas “ilustrativas” escapavam da lógica da censuram preparada apenas para o óbvio. Driblar o autoritarismo é um exercício diário de toda sociedade democrática.
Imaginário e Memória
Fotografia é memória enquanto registro da aparência dos cenários, personagens, objetos, fatos através da documentação de arquivos vivos ou mortos. É quando uma ocorrência, um único instante passa a ser eternizado pelo material fílmico. Vestígios de um passado, admiráveis em suspensão caracterizados por sua gênese e sua duração. Ou como completaria Leroi-Ghouran: “O triplo problema do tempo, espaço e do homem constitui a matéria memorável”.
Ao longo dos 160 anos de sua invenção, a fotografia tem servido à humanidade como amplo e complexo registro dos fatos. Não sendo importante o objeto da representação importante e sim o aspecto da captura do tempo ou da preservação da memória. Ou como diria o filósofo francês Baudrillard são imagens silenciosas, elas estão lá, “sem que nos demos conta”.
A perpetuação da memória é o denominador comum das imagens fotográficas: o espaço recortado, fragmentado, o tempo paralisado. Uma única fotografia e dois tempos: o tempo da criação, a primeira realidade e o tempo da representação, a segunda realidade. O efêmero e o perpetuo juntos em um só objeto.
A chamada evidência documental é um complexo estratagema em que se apóia a fotografia. Baseado na teoria positivista de representação fiel da realidade, a fotografia serviria como papel decisivo na documentação parcial da realidade social através de estereótipos, utilizados através de metáforas cientificas pelo Estado como forma de convencer as massas de suas ideologias hegemônicas. Assim sendo, existiria uma construção de uma realidade forjada no qual a fotografia passou a poder ser utilizada como arma para provar uma realidade paralela à realidade propriamente dita.
Quando em 1982, no filme Blade Runner – O Caçador de Andróides, foi dito “todos esses momentos se perderão com o tempo, como lágrimas na chuva”, o cineasta Ridley Scott apontava para a complexa questão de como o ser humano existia apenas através das suas próprias memórias e da construção da realidade a partir dela. A fotografia entretanto pode mudar o conceito de memória da humanidade, pois com ela pode existir algo que fosse capaz de registrar um momento, muito além da realidade presa em nosso cérebro com nossas experiências subjetivas.
O homem passa, desta maneira, a poder captar e provar momentos únicos pelo qual passou através de simulacros, representações de uma possível realidade passada. A humanidade sente uma necessidade de documentar suas experiências. Por isso, a o homem comum tenta prender certos momentos especiais, como forma de parar o tempo.
O ser humano, a partir do século XIX, tornou-se escravo das imagens. As mudanças sociais e culturais foram documentadas e eternizadas de certa maneira pelas fotografias tiradas ao longo do ano. É quando nesse novo século, a sociedade passa a viver em função das imagens, em um mundo completamente tomado por sistemas de comunicação. Celulares e máquinas portáteis passaram fazer parte do cotidiano das pessoas, e agora todos sentem a vontade de registrar o fútil, o banal, ou qualquer coisa que julgam importante. Tudo pela importância de se ver e se sentir representado pelas imagens. Todos tomados por um complexo jogo de Narciso, onde ninguém mais sabe aonde se reconhecer. A fotografia, hoje, é elemento fundamental para entender a influência dos meio s de comunicação de massa na vida do cidadão comum.

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