quinta-feira, 26 de novembro de 2009

REALIDADES E FICÇÕES NA TRAMA FOTOTGRÁFICA - Boris Kossoy

Grupo J: Ana Carolina Dias, Francisco Danilo Shimada, Iago Freitas, Quentin Delaroche, Yuri Queiroz, Victória Álvares



Bóris Kossoy nasceu em São Paulo em 1941. Além de escritor, ele é fotógrafo, pesquisador, historiador e professor. Ele foi responsável pelo resgate histórico das pesquisas que comprovaram a invenção paralela da fotografia no Brasil por Hércules Florence, trazendo reconhecimento mundial a esse inventor.
Kossoy é também o autor da trilogia: “Fotografia e história”, “Realidades e ficções na trama fotográfica”(analisado neste trabalho) e “Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo”, nos quais ele aborda o tema da fotografia enquanto documento/representação.

INTRODUÇÃO

O autor subdivide os temas tratados ao longo do livro em três partes: Construção e desmontagem do signo fotográfico, que é basicamente teórica, retomando conceitos já apresentados em “Fotografia e história”; em seguida, em Decifrando a realidade interior das imagens do passado, Kossoy aborda as tramas ideológicas na fotografia, ou seja, como o documento fotográfico foi, é e será usado com fins ideológicos; na terceira e última parte, homônima ao título do livro, Realidades e ficções na trama fotográfica, o autor finaliza com reflexões sobre arquivos, memória e reconstituição histórica, enfatizando na possibilidade inerente das representações fotográficas, ou seja, da construção de realidades.
Percebe-se claramente, desde a introdução, a mensagem que Kossoy quer passar com este livro. Entretanto é ao longo dos capítulos que ele vai desconstruindo todo o processo fotográfico, detalhando e provando a veracidade de suas constatações, já apresentadas e compreendidas pelo leitor.

PARTE 1 - CONSTRUÇÃO E DESMONTAGEM DO SIGNO FOTOGRÁFICO

Inicialmente, Kossoy questiona o elevado status de credibilidade que a fotografia possui. Segundo ele, isso se compreende considerando-se sua natureza físico-química (hoje também eletrônica) de registrar aspectos (selecionados) do real. Se por um lado ela tem valor incontestável por proporcionar fragmentos visuais que informam sobre as diferentes atividades humanas, “por outro, ela sempre se prestou e se prestará ao mais diferentes e interesseiros usos dirigidos”, afirma Kossoy.
Esta foto pode ilustrar bem a ideia de Kossoy. Ela foi tirada pelo fotógrafo americano Kenneth Jarecke durante a Guerra do Golfo. Em um momento onde da história em que a imprensa americana tinha ordens de não mostrar fotos chocantes do conflito, esta foto chegou à Europa, chocou e abriu os olhos de muita gente que acreditava na realidade das lentes de outros fotógrafos.
No caso da foto ao lado, fica nítido como uma imagem pode ser facilmente usada em prol de uma ideologia. Quem associaria o Adolph Hitler desta foto àquele responsável pela morte de 10 milhões de judeus?

Bóris Kossoy critica também os historiadores, pois julga que esses se equivocam no emprego das imagens fotográficas em suas pesquisas ao estacionarem suas análises no plano iconográfico, sem considerar a ambigüidade das informações contidas nas representações fotográficas. Segundo o autor, os conteúdos das imagens deveriam ser considerados como fontes históricas de abrangência multidisciplinar. Ele defende, portanto, a ideia de decifrar a realidade interior das representações fotográficas, suas tramas, realidades ficções e finalidades. “As imagens fotográficas não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto de partida para tentarmos desvendar o passado.”

A IMAGEM FOTOGRÁFICA: SUA TRAMA, SUAS REALIDADES

Kossoy define os elementos constitutivos incorporados à imagem fotográfica como aqueles que tornam possível a fotografia, ou seja, o assunto a ser retratado, a tecnologia utilizada e o próprio fotógrafo. Ele exemplifica bem este esquema no quadro ao lado.

Já o processo de criação, tão falado por Kossoy, engloba também a aventura estética, cultural e técnica do fotógrafo. A fotografia trata-se, portanto, de um resultado da ordem material (recursos técnico ópticos, químicos ou eletrônicos) e da ordem imaterial (recursos mentais e culturais), que são indissociáveis.
Além dos elementos citados acima, Kossoy identifica outros importantes para construção do processo criativo:
· Motivação (pessoal ou profissional)
· Seleção do assunto
· Seleção dos equipamentos
· Seleção do quadro
· Seleção do momento
· Seleção de materiais
· Seleção de “atmosfera”



DUALIDADE ONTOLÓGICA DOS CONTEÚDOS FOTOGRÁFICOS

Retomando criticamente os conceitos de índice e ícone em relação à fotografia, Kossoy define o primeiro como a prova, constatação documental de que o assunto representado realmente existiu (documento do real). Enquanto que o ícone é visto tal que comprovação documental da aparência do assunto e da semelhança dele coma imagem fixada na chapa (representação a partir do real). Entretanto, ambos são inerentes ao registro fotográfico e não podem ser compreendidos desvinculados do processo de criação do fotógrafo: os processos técnico e artístico estão ligados e são dependentes.

AS REALIDADES DA FOTOGRAFIA

Neste tópico, Boris Kossoy explica duas importantes noções que integram os fundamentos estéticos para uma melhor compreensão interna documento/ representação fotográfica: primeira e segunda realidades e realidades interior e exterior. A primeira realidade, que se confunde com a realidade interior, é o próprio passado, a realidade das ações e técnicas realizadas pelo fotógrafo, o instante de curtíssima duração em que “o referente reflete a luz que nele incide sobre a chapa sensível e a imagem é gravada, provocado por conexão física”. Já a segunda realidade, que faz parte da realidade exterior, trata-se da realidade do assunto representado, assunto selecionado no tempo e no espaço, contido nos limites bidimensionais da imagem fotográfica.


MECANISMOS INTERNOS DA PRODUÇÃO E DA RECEPÇÃO DAS IMAGENS: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE REALIDADES.























Boris Kossoy retirou as idéias centrais a respeito deste tema, através de varias investigações teóricas que vinham sendo desenvolvidas centradas nas múltiplas realidades geradas por uma capitação fotográfica, e foram apresentadas na conferência “A realidade fotográfica na construção do imaginário” realizada no dia 6 de julho de 1993 em Porto Alegre.
Ele categoriza em dois processos distintos de mecanismos mentais, que simplificados seriam:
· Processo de construção da representação, sendo ele, a produção da obra fotográfica propriamente dita, responsável pelo fotógrafo.
· Processo de construção da interpretação, isto é, a recepção da obra fotográfica por parte dos diferentes receptores: ou seja, a percepção de cada individuo em diferentes momentos da história.
Kossoy afirma então, que a partir destes processos, é formado a estética particular da fotografia; sempre dando margem a um processo de construção de realidades. Como ele ilustra no quadro abaixo.
A PRODUÇÃO DA IMAGEM

A produção da obra fotográfica representa o primeiro ponto. Onde ele é concebido com uma certa intenção. Sendo esse trabalho construído a partir de um valor cultura e histórico do seu fotografo.

Apesar de toda a credibilidade que se tem em uma foto, Kossoy reafirma a necessidade de se entender, que essa obra é um somatório de construções. Cabendo totalmente ao fotografo montar o signo, a representação. Nessa construção uma nova realidade é criada. Kossoy acredita que deve-se considerar que o objeto de sua representação, existe sempre uma transposição de dimensões e de realidades. Ou seja, A imagem não é mais realidade, e sim, uma nova realidade idealizada pelo receptor.


A RECEPÇÃO DA IMAGEM

É ligado ao processo de construção da interpretação, onde o produto do primeiro ponto é elaborado agora no imaginário do receptor. Em primeiro lugar havia a bagagem teórica e cultura do fotografo, no segundo momento há a interpretação com a carga cultural e histórica do receptor.

As imagens, por sua natureza polissêmica (vários sentidos), permitem uma leitura plural, dependendo de cada um. Segundo Kassoy, além dos valores, todos nós temos filtros e imagens mentais preconcebidas acerca de vários assuntos. Que filtra individualmente o signo da imagem para cada individuo. Por isso estamos suscetíveis aos estímulos das imagens, mesmo sem perceber, recriando experiências vividas ou totalmente novas.

Kossoy também afirma que essa recriação de realidade, utiliza as imagens fotográficas, como referencia de realidade. Como por exemplo, criamos em nossa mente como deve ter sido difícil um combate na 2ª guerra mundial, a partir de imagens da época. Mesmo sem ter vivido o momento. Por isso Kossoy diz que, quando fixada a nossa mente, essas imagens deixam de se estáticas e tornam-se dinâmicas, assimiladas ao nosso valores.

MUNDO REAL E MUNDO FICCIONAL

Boris Kossoy define a fotografia documental como “registro fotográfico sistemático de temas de qualquer natureza captados do real. No entanto, existe em geral um interesse específico, uma intenção no registro de algum assunto determinado”. É dessa última ideia que nasceram as fotos por categorias (ex: jornalística, social, antropológica, etc.) Contudo, mesmo se uma fotografia corresponde inicialmente a uma categoria, ela pode ser analisada sob diferentes pontos de vista na medida em que uma imagem reúne, em seu conteúdo, uma série de elementos icônicos que fornecem informações para diferentes áreas do conhecimento.









A fotografia é sempre uma representação a partir do real. É o resultado de um processo de criação/ construção técnico, cultural e estético elaborado pelo fotógrafo.




O mundo da moda é bem representativo disso na medida em que é uma representação teatral. Não deixa de ser uma realidade imaginada e verdade. Temos uma segunda realidade que é a do mundo das imagens, dos documentos, das representações.



Com a foto de moda, consome-se 2 produtos que se mesclam num todo indivisível:a roupa e seu entorno. Neste processo consome-se um estilo, uma estética de vida codificada no conteúdo da representação.




Kossoy pega o exemplo da publicidade de cigarro e da associação da imagem do cigarro com o bem-estar e ao prazer (personagens belas, saudáveis e locações apropriadas). Ele critica essa forma de publicidade: “uma proposta que visa o lucro não importante os meios. A ficção é o artifício. A morte o último ato”





PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA DE ANALISE E INTERPRETAÇÃO DAS FONTES FOTOGRÁFICAS: A DESMONTAGEM DO SIGNO FOTOGRÁFICO




Quando as fotografias são veiculadas pelos meios de comunicação, o processo de construção da representação não se resume a tirar uma foto, mas tem uma pós-produção e a foto se vê objeto de uma série de adaptações (recorte, colagem, forma, legenda...) graças à aparição dos “softwares”.





Essas modificações traduzem um interesse determinado do diretor. No exemplo ao lado, verifica-se uma imagem do presidente que foi tirada em um contexto, mas em decorrência das modificações realizadas, ela adquiri um caráter cômico, que não possuía originalmente.



Além disso, há outras manipulações, como a reutilização de uma mesma fotografia para fins distintos. Ou seja, a partir da mudança do contexto, muda-se também a interpretação, gerando um novo documento fotográfico, uma nova realidade. Trata-se enfim de uma ficção documental.

Seja enquanto documento para investigação histórica, objeto de recordação ou elemento de ficção, a fotografia esconde dentro de si uma trama, um mistério. O que escapa a minha compreensão da fotografia?

Análise iconográfica. “arqueologia do documento”: reconstituição do processo que originou a fotografia (assunto, fotógrafo, tecnologia, lugar e época) e a recuperação do inventário de informações codificadas na imagem fotográfica (identificação dos detalhes icônicos que compõem o conteúdo).

Interpretação iconológica. O documento fotográfico é uma representação a partir do real. O testemunho fotográfico se constitui com a visão particular do fotógrafo. É ele que cria a representação.
Resgatar, a história própria do assunto e buscar a desmontagem das condições de produção (o processo de criação que resultou na representação em estudo).

PARTE 2 - DECIFRANDO A REALIDADE INTERIOR DAS IMAGENS DO PASSADO

O CARTÃO POSTAL: ENTRE A NOSTALGIA E A MEMÓRIA

Cartão postal

Partindo do imaginário das pessoas de ter acesso para representação dos lugares, o cartão postal seria uma forma de vitrine das cidades, proporcionando uma verdadeira revolução na história da cultura. Tornando-se artigo de luxo e de colecionador, o cartão postal levava as pessoas aos lugares mais diversos. Com a produção em massa, eles passam a fazer parte do imaginário popular, permitindo um maior conhecimento visual. A primeira forma coletiva de apresentação do mundo.

Surgimento do cartão postal na Europa

O surgimento do cartão postal na Europa se deu na década de 1870, durante a guerra Franco-Prussiana. Contudo sua sofisticação veio no início do século XX. O país de maior destaque foi a França, chegando a produzir cerca de 132 milhões de postais por ano.

O exemplo de São Paulo

São Paulo reflete um dos maiores exemplos do desenvolvimento dos cartões postais na América. No início do século XX, a cidade passava por grandes avanços tecnológico, econômico e sócio-cultural. Desta forma, a nova elite paulistana, recém saída da crise cafeeira, almeja ser vista.
A reconstrução da cidade paulista reflete o ideal europeu de supremacia, civilidade e organização, abolindo os vestígios coloniais em favor de uma arquitetura moderna. A forma iconográfica européia se faz necessária para uma apresentação de uma nova imagem do Brasil. De acordo com Kossoy (p.66), essa imagem seria “constituída por edificações que privilegiassem em sua arquitetura os padrões consagrados de civilização.”

Fotógrafo suíço Guilherme Gaensly (1843 - !928)

A vinda de Gaensly a São Paulo, por volta de 1890, permitiu o surgimento de uma coleção de vistas representativas da cidade. O caráter propagandista era o principal em sua obra. Os postais deixaram de ser apenas veículos de correspondências. Gaensly retratava a atividade aristocrática, contribuindo para a construção da imagem oficial da cidade.

Fotógrafo italiano Vicenzo Pastore (1865 – 1918)

Em resposta a atividade de Gaensly, a produção fotográfica de Pastore serviu como um importante contraponto histórico e sociológico para análise da cidade naquele contexto histórico. Pastore retratou o chique e o popular, não deixando de lado a população carente, que teve grande valor em seu ensaio.

A CONSTRUÇÃO DO NACIONAL NA FOTOGRAFIA BRASILEIRA: O ESPELHO EUROPEU

A construção da identidade brasileira foi pautada no modelo de identidade europeu, algo idealizado e repleto de esteriótipos. Com a chegada dos artistas da Europa ao Brasil, as fotografias passam a retratar alguns aspectos aqui vigentes, para eles, o exótico. A realidade brasileira, desta forma, foi descontextualizada, confirmando as palavras de Kossoy (p.76). “A autonomia da imagem fotográfica permite transplantes de seus conteúdos para os mais diferentes e, por vezes, inusitados contexto.”

Exemplo da Família Imperial (Dom Pedro II)

Dom Pedro II tenta quebrar esse esteriótipo, mostrando uma civilização brasileira moderna, em harmonia com a natureza exuberante das nossas matas. No entanto ele buscava mostrar a cidade sem o contexto social. Não apresentando as pessoas, apenas as partes arquitetônicas. As principais temáticas registradas por ele foram:

Avanço técnico;
Agricultura;
Transformação urbana;
Industrialização;
Engenharia civil;
Triunfos militares (Canudos e Guerra do Paraguai);
Símbolos nacionais (Pão de Açúcar); e
Manifestações artísticas, educacionais, culturais e científicas.


Imagens civilizadas: Album de Vues do Brasil

Toda produção do período imperial, teve a contribuição do Barão de Rio Branco em um livro intitulado “Album de Vues do Brasil”, ou seja, Álbum de Vistas do Brasil. O álbum pretendia mostrar a mudança do olhar europeu sobre o povo brasileiro, dando uma ideia de civilização e progresso. Para tanto, o Barão teve de se valer de alguns artifícios de montagem e edição, fazendo com que, para alguns, sem uma análise contextual, esse álbum perdesse a credibilidade documental. O trabalho do Barão de Rio Branco reflete uma postura idiossincrática, no qual o EU na escolha do material fotográfico prevalece. Até que ponto fica a credibilidade documental desse trabalho?

PARTE 3 - REALIDADES E FICÇÕES NA TRAMA FOTOGRÁFICA
IMAGENS E ARQUIVOS... PARA QUE NÃO NOS ESQUEÇAMOS

Na terceira parte do livro, Boris Kossoy parte para uma análise mais subjetiva da trama fotográfica. A metodologia e os instrumentos que o autor usa continuam sendo os mesmos – desconstrução do processo fotográfico, fotógrafo, imagem, personagens, contextos, motivações, interpretações da recepção etc – porem, o foco volta-se para a importância de não perder o que ele chama de primeira realidade. A defesa deste argumento se faz, basicamente, na afirmação de que fotos, sem a alusão ou conhecimento do seu referente, são meras fotos, pedaços de papel com uma imagem impressa, representações, recortes destituídos de valor.
Kossoy introduz essa idéia questionando o papel social das imagens e dos arquivos. Ele diz que existe uma luta significativa, por parte de “todos aqueles que têm um mínimo de preocupação com a segurança das informações históricas e contemporâneas gravadas nos documentos”, mas que, em contrapartida, “o tema dos arquivos, assim como os temas correlatos: documentação, memória etc., nunca são exatamente atraentes para a maioria das pessoas”. A justificativa seria, exatamente, a falta de referentes a essas representações fotográficas.
Assim, ele conclui este raciocínio afirmando que as fotografias, imagens e arquivos servem “para que possamos preservar a lembrança de certos momentos e das pessoas que nos são caras”, (...) “preservar as imagens dos desaparecidos e torturados”, (...); “para que não nos esqueçamos...”



FOTOGRAFIA E MEMÓRIA: RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA

Segundo Kossoy, a fotografia possui múltiplas faces e realidades, sendo a primeira aquela mais evidente, a visível, ou seja, a imagem propriamente dita, denominada pelo autor como segunda realidade. As outras faces da fotografia seriam, por sua vez, todos os elementos que originaram aquela representação, a vida daquelas situações retratadas, a história, o contexto, a “realidade interior” da imagem.
Kossoy sustenta que quando apreciamos fotografias, adentramos, “quase sem perceber”, no conteúdo do que vemos e, assim, traçamos verdadeiras suposições do que seriam aqueles fatos impressos e as circunstâncias que envolveram o assunto ou a própria representação dele. “Trata-se de um exercício mental de reconstituição quase que intuitivo”, diz o autor.
Neste “exercício”, confundiríamos a fotografia com a nossa memória e a natureza de recorte do espaço e do tempo inerente à imagem seria anulada na mente do receptor, dada a visibilidade e a “verismo” daquilo que é retratado. Deste modo, Kossoy afirma que esta apreciação de fotografias por indivíduos subjetivos, sempre implica em um processo de criação de realidades, uma vez que o sujeito elabora imagens mentais a partir do que vê.

Memória fotográfica: recuperação da cena passada
Fotografias, quando devidamente identificadas e analisadas sistematicamente com base em metodologias adequadas ao propósito, tornam-se, indubitavelmente, fontes essenciais à reconstituição histórica dos cenários, memórias do passado. Entretanto, tal reconstituição não deve se esgotar na mera análise iconográfica, uma vez que sabemos que a recepção de imagens fotográficas sempre implica em construções imaginárias. Contudo o contexto que gerou a fotografia, a história própria daquelas personagens, o pensamento e intenção embutido em cada um dos elementos técnicos do fotógrafo é invisível ao sistema óptico da câmera.
Há de se admitir que uma imagem, dotada de “pretensa credibilidade enquanto registro visual ‘neutro’ dos fatos”, pode ser usada em conformidade com alguns interesses particulares. Para Kossoy, no entanto, é necessário ter em consideração que a fotografia é resultado de uma elaboração cultural, estética e técnica de um recorte de um dado momento no tempo e no espaço. Portanto, a fotografia, enquanto fonte de estudos históricos, não pode ser compreendida isoladamente do processo de construção da representação que a originou.
Dentro deste processo, vários são os fatores envolvidos. O uso por terceiros da imagem em questão e as leituras que os diversos receptores fizeram dela atribuem àquela fotografia diversos significados, conforme a ideologia de cada momento histórico. Tendo em vista essa complexidade na análise de um fotografia, o autor defende que somente com aguçada sensibilidade, é possível “ultrapassar o plano iconográfico”, para “decifrar olhares e gestos, compreender o entorno, decifrar o ausente”.
Para Kossoy, o ponto mais relevante da interpretação de uma fotografia é quando o “iconográfico carregado de sentido” é finalmente alcançado, verdadeiro desafio intelectual, onde não existem interpretações neutras.

Memória da fotografia: trajetória e morte do documento
“As fotografias, em geral, sobrevivem após o desaparecimento físico do referente que as originou (...)”. É com essa frase que Kossoy introduz a ideia que sustenta a última parte do livro “Realidades e ficções na trama fotográfica” – sem a primeira realidade que originou a foto, os personagens e ambientes representados na imagem morrem pela segunda vez.
O autor diz que entre as diversas circunstâncias e elementos que resultaram na fotografia e a fotografia em si, ou nas palavras dele, “entre o referente e a reprensentação”, existe um labirinto cujos caminhos tornam-se desconhecidos, inexistentes, quando não há um referencial a conferir sentido à imagem. Este fica a depender das fantasias mentais dos apreciadores, variáveis da visão de mundo do fotógrafo e do repertório cultural particular. Reflexo disso é a substituição do real pela ficção.
O perigo reside, especificamente na combinação da “pretensa credibilidade” da fotografia e da possibilidade de em um futuro próximo estarmos convivendo com passados que jamais existiram. Possibilidade esta, segundo o autor, potencialmente aumentada, quando levamos em consideração o advento da tecnologia e seu uso na fotografia. Afinal de contas, múltiplas são as possibilidades de conferir novas faces e realidades às fotografias digitais, em um “império de realidades virtuais e memórias implantadas”.

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